terça-feira, 30 de outubro de 2018

Art Deco: O Moderno Necessário - Partet 1

Autor: Lourdes Luz, Dra.


Introdução  

O trabalho apresentado consiste na leitura do Art Deco, através dos cinemas cariocas das décadas de 1930 e 1940. Para tal, tomamos como instrumental um grupo representativo de edifícios com essa função. O Art Deco, atrelado ao cinema, foi pensado como espaço de neutralidade, inevitável na transição do ecletismo vigente do século XIX para a assepsia modernista. No sentido de evocar-se o moderno necessário, fez-se uma revisão crítica do Art Deco, propriamente dito, da Exposição de Artes Decorativas e Industriais de 1925 em Paris e dos antecedentes que possibilitaram mudanças conceituais e formais, bem como uma análise dos fundamentos teóricos que permeavam o movimento, valorizando-se a magia do cinema e sua influência na vida cotidiana, tomando-se como paradigma o Cinema Metro.
PARTE 1:   A Exposição de Artes Decorativas e Industriais Modernas de 1925 e princípios formais
A denominação Art Deco deriva do nome por extenso da Exposição de Artes Decorativas e Industriais Modernas, que ocorreu em Paris, de abril a outubro no ano de 1925, que propiciou ao movimento nome e notoriedade, pois seus primeiros passos datam do início do século XX, em torno do ano de 1909.
Podemos dizer que a deflagração do Art Deco se dá tardiamente, porque a Exposição foi idealizada em 1907, proposta para 1915 e por causa de uma situação conturbada no período que antecedeu a Primeira Guerra, foi suspensa. Porém a Exposição não foi um fenômeno anacrônico, pois foi a síntese e a avaliação destes decênios: visto que por um lado, a indústria foi catapultada passando a ter índices bastante altos de produtividade e, por outro, a Guerra acabou com toda a pompa da Belle Époque.
A Exposição representou uma avaliação do que surgia como propostas até então, bem como uma releitura do passado próximo, assim como ocorreu com a Exposição Universal de 1900, que foi o triunfo do caracol, do retorcido e do ornamento. A inauguração em abril de 1925 foi um verdadeiro tour de force, contava com 150 pavilhões no centro de Paris entre a Praça da Concordia e a Torre Eiffel, onde havia shows de moda, mostras fotográficas, além de exibições de filmes, música e dança. Estava aí representada a maioria dos países do oeste europeu somados à União Soviética e Japão. Os Estados Unidos estavam ausentes, o Secretário de Comércio declinou o convite feito pelos organizadores do evento com a desculpa de que não preenchia um dos quesitos estipulados: tudo o que estivesse em exibição teria que ser moderno. Entretanto, enviou à Exposição uma delegação de mais de cem industriais e artistas americanos e um número significativo de turistas provenientes deste país visitaram-na durante os seis meses de sua existência.
A Exposição, como síntese, tem caráter interessante, uma vez que nem tudo o que ali se encontrava possuía linguagem Deco, o que se via era, justamente, o espaço da contradição. Perpassava uma não definição entre duas culturas, uma presa à tradição do século XIX, a outra envolvida com a segunda Revolução Industrial. Os [1]organizadores da Exposição, por sua vez, estipularam que todo e qualquer objeto exposto deveria mostrar uma inspiração moderna, entendo como moderno o novo e original. 
O melhor exemplo deste estranhamento é a própria presença de Le Corbusier neste evento defendendo sua posição no que diz respeito à decoração: “arte decorativa é um termo vago e impreciso...”[2] ou ainda “o estilo é uma mentira, é necessário deixar de lado toda a artificialidade do decorativismo em favor de uma honestidade funcional”[3] ou mesmo propondo a casa como a máquina de morar. Os organizadores não aceitaram sua proposta de imediato: a criação do Pavilhão do Espírito Novo como um fórum de debates, no qual se discutiriam os últimos conceitos e ideias sobre arquitetura. A arquitetura do Pavilhão é uma composição assimétrica com cheios e vazios, cujas superfícies equilibram pintura em alvenaria e grandes vãos de janelas fechados por panos de vidro e a cobertura como elemento compositivo pouco privilegiado.
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Pavilhão do Espírito Novo

Interessa relacionar outras propostas da Expo a fim de evidenciar paradoxos existentes: o Cubismo veio associado aos estrangeiros, inclusive por ordem oficial, os painéis de Fernand Leger e Robert Delaunay (artistas cubistas franceses) foram removidos do hall da Embaixada Francesa. Theo van Doesburg protestou junto ao governo holandês a ausência da produção dos designers e artistas do grupo De Stijl no Pavilhão da Holanda, porém as ideias dos mesmos e da Bauhaus estavam apresentadas (e defendidas) no Pavilhão do Espírito Novo. A então recente União Soviética radicalizou a começar pela própria arquitetura do Pavilhão projetado por Melnikov e ainda a presença de Alexandre Rodchenko, Vladimir Tatlin, o Construtivismo e o Suprematismo[4]. Os críticos foram frontalmente contra os trabalhos e consideraram uma dilapidação da tradição. Porém aquele Pavilhão ao lado do Pavilhão do Espírito Novo, e mesmo o Pavilhão de Turismo de Mallet-Stevens foram dos raros rebatimentos modernos ou modernistas, apesar das diferenças existentes entre eles.
Diante desses exemplos nos vem a perplexidade ao perceber, com total transparência, a dificuldade de enxergar o “novo”, não só pelo fruidor leigo, o que é natural por todas as conjunturas sociais e culturais, mas também pelo profissional – o crítico de arte. Esta questão não é original. Ao contrário, se torna uma constante, principalmente a partir da Revolução Industrial. E o Art Deco, em certo sentido, não trava polêmicas, vem confortar alguns espíritos.
Existem, todavia, várias visões ou versões do Art Deco, tanto no sentido formal como em sua ideologia. A produção de um modo geral é tratada de modo pejorativo ou menor por alguns estudiosos. Gunter Weimer[5] por exemplo, coloca que “quanto a um pretenso estilo art deco, não passou de um modismo passageiro que nem sequer aspirou a se apresentar como uma coerência formal...”.
Levantamos extensa bibliografia e percebemos duas posturas: a primeira dos autores franceses que alçam o Deco como um produto erudito, onde as propostas nascem naturalmente de Mackintosh, da Secessão Vienense, da Bauhaus e da Wierner Werskstatte, portanto tem relações diretas com ideais da produção denominada intelectual, incluindo a cidade de Viena como o estágio inicial do Deco.
Esses franceses, igualmente vêem na assimilação do modelo pelos americanos como o momento de banalização, uma vez que consideram que o Deco vai de forma gradual perdendo sua força e encontra seu último lugar de refúgio: os cinemas. Exemplifica-se esta passagem com a réplica do Pavilhão de Turismo (original de Mallet-Stevens) e outros tantos edifícios seguindo esta linguagem erguidos no centro-oeste dos Estados Unidos, o que foi denominado por Boullion de ill copies[6].
Os autores americanos, por sua vez, quase que em uníssono, fazem um discurso de glorificação ao Art Deco, aos arranha-céus, aos cinemas, a Hollywood. As origens do processo, Paris, a Expo de 1925 e a Europa como um todo, estão presentes nos textos, muito embora haja uma repetição de conteúdos na maioria deles.
Mediante essas constatações, verificamos onde as dificuldades se iniciam, quando o tema é Art Deco. Somos cônscios que o estilo é ancorado na high culture, no sentido de que os primeiros artistas e arquitetos, pelo menos os digno de nota, fizeram uma leitura crítica do que se passava na Áustria, na Alemanha, apreenderam os modelos experimentados nestes países e decodificaram de maneira diversa, apostando na contemporaneidade. Logo, não cremos em pontos de partida e sim na liberdade de escolha.
O Deco não foi somente um caso de interpretações de velhas ideias de uma nova maneira. Acreditamos em uma proposta com projeto coerente e pertinente a um tempo e com código próprio. A grande qualidade do Art Deco é a tentativa de conhecimento e a consciência que este período tem de si mesmo. É por vezes, anunciado como o último dos estilos, contudo mais acertadamente, é um estilo de massa, o estilo da inclusão que encontra audiência na classe consumidora. Sua flexibilidade em todos os níveis não fez com que perdesse sua identidade. E diante do exposto, confirmamos sua potência de reflexão sobre o fato e sua crença, real ou virtual, na modernidade. 
Igreja de Santa Teresinha


[1] Cf ALBRETCH, Donald. Desining Dreams – Modern Architecture in the Movies. New York:
Harper in collaboration with the Museum of Modern Art, 1986. p.3
[2] cf. BRUNHAMMER, Yvonne. Art Viennois e t Art Decó – L’exposition de 1925. IN: Les Grandes Expositions – Vienne 1900. Centre Georges Pompideau, Grand Galerie, 13 de fevereiro a 5 de maio de 1986, p.18
[3] WIRZ, H e STRINER, R. Washington Art Deco. Washington: Smithsonian Instituin Press, 1984. p 19
[4] KLEIN, Dan, MC CLELLAND, Nancy A., HASLAM, Malcolm. In the Deco Style. London: Thames & Hudson, 1987. p 108
[5] WEIMER, Gunter. O “Estilo” Art Deco. In: Revista Projeto 151. pp 71-73
[6] BOULLION, Jean Paul. Art Deco 1903-1940. New York: Skira-Rizzoli, 1989. p.249

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