Autor: Lourdes Luz, Dra.
Introdução
O trabalho apresentado consiste na leitura do
Art Deco, através dos cinemas cariocas das décadas de 1930 e 1940. Para tal,
tomamos como instrumental um grupo representativo de edifícios com essa função.
O Art Deco, atrelado ao cinema, foi pensado como espaço de neutralidade,
inevitável na transição do ecletismo vigente do século XIX para a assepsia
modernista. No sentido de evocar-se o moderno necessário, fez-se uma revisão
crítica do Art Deco, propriamente dito, da Exposição de Artes Decorativas e
Industriais de 1925 em Paris e dos antecedentes que possibilitaram mudanças
conceituais e formais, bem como uma análise dos fundamentos teóricos que
permeavam o movimento, valorizando-se a magia do cinema e sua influência na
vida cotidiana, tomando-se como paradigma o Cinema Metro.
PARTE
1: A Exposição de Artes Decorativas e
Industriais Modernas de 1925 e princípios formais
A denominação Art Deco deriva do nome por
extenso da Exposição de Artes Decorativas e Industriais Modernas, que ocorreu
em Paris, de abril a outubro no ano de 1925, que propiciou ao movimento nome e
notoriedade, pois seus primeiros passos datam do início do século XX, em torno
do ano de 1909.
Podemos dizer que a deflagração do Art Deco se
dá tardiamente, porque a Exposição foi idealizada em 1907, proposta para 1915 e
por causa de uma situação conturbada no período que antecedeu a Primeira
Guerra, foi suspensa. Porém a Exposição não foi um fenômeno anacrônico, pois
foi a síntese e a avaliação destes decênios: visto que por um lado, a indústria
foi catapultada passando a ter índices bastante altos de produtividade e, por
outro, a Guerra acabou com toda a pompa da Belle Époque.
A Exposição representou uma avaliação do que
surgia como propostas até então, bem como uma releitura do passado próximo,
assim como ocorreu com a Exposição Universal de 1900, que foi o triunfo do
caracol, do retorcido e do ornamento. A inauguração em abril de 1925 foi um
verdadeiro tour de force, contava com
150 pavilhões no centro de Paris entre a Praça da Concordia e a Torre Eiffel,
onde havia shows de moda, mostras fotográficas, além de exibições de filmes,
música e dança. Estava aí representada a maioria dos países do oeste europeu
somados à União Soviética e Japão. Os Estados Unidos estavam ausentes, o
Secretário de Comércio declinou o convite feito pelos organizadores do evento
com a desculpa de que não preenchia um dos quesitos estipulados: tudo o que
estivesse em exibição teria que ser moderno. Entretanto, enviou à Exposição uma
delegação de mais de cem industriais e artistas americanos e um número
significativo de turistas provenientes deste país visitaram-na durante os seis
meses de sua existência.
A Exposição, como síntese, tem caráter
interessante, uma vez que nem tudo o que ali se encontrava possuía linguagem
Deco, o que se via era, justamente, o espaço da contradição. Perpassava uma não
definição entre duas culturas, uma presa à tradição do século XIX, a outra
envolvida com a segunda Revolução Industrial. Os [1]organizadores da Exposição,
por sua vez, estipularam que todo e qualquer objeto exposto deveria mostrar uma
inspiração moderna, entendo como moderno o novo e original.
O melhor exemplo deste estranhamento é a
própria presença de Le Corbusier neste evento defendendo sua posição no que diz
respeito à decoração: “arte decorativa é um termo vago e impreciso...”[2]
ou ainda “o estilo é uma mentira, é necessário deixar de lado toda a
artificialidade do decorativismo em favor de uma honestidade funcional”[3]
ou mesmo propondo a casa como a máquina de morar. Os organizadores não
aceitaram sua proposta de imediato: a criação do Pavilhão do Espírito Novo como
um fórum de debates, no qual se discutiriam os últimos conceitos e ideias sobre
arquitetura. A arquitetura do Pavilhão é uma composição assimétrica com cheios
e vazios, cujas superfícies equilibram pintura em alvenaria e grandes vãos de
janelas fechados por panos de vidro e a cobertura como elemento compositivo
pouco privilegiado.
Pavilhão do Espírito Novo
Interessa relacionar outras propostas da Expo a
fim de evidenciar paradoxos existentes: o Cubismo veio associado aos
estrangeiros, inclusive por ordem oficial, os painéis de Fernand Leger e Robert
Delaunay (artistas cubistas franceses) foram removidos do hall da Embaixada
Francesa. Theo van Doesburg protestou junto ao governo holandês a ausência da
produção dos designers e artistas do grupo De Stijl no Pavilhão da Holanda,
porém as ideias dos mesmos e da Bauhaus estavam apresentadas (e defendidas) no
Pavilhão do Espírito Novo. A então recente União Soviética radicalizou a
começar pela própria arquitetura do Pavilhão projetado por Melnikov e ainda a
presença de Alexandre Rodchenko, Vladimir Tatlin, o Construtivismo e o
Suprematismo[4].
Os críticos foram frontalmente contra os trabalhos e consideraram uma
dilapidação da tradição. Porém aquele Pavilhão ao lado do Pavilhão do Espírito
Novo, e mesmo o Pavilhão de Turismo de Mallet-Stevens foram dos raros
rebatimentos modernos ou modernistas, apesar das diferenças existentes entre
eles.
Diante desses exemplos nos vem a perplexidade
ao perceber, com total transparência, a dificuldade de enxergar o “novo”, não
só pelo fruidor leigo, o que é natural por todas as conjunturas sociais e
culturais, mas também pelo profissional – o crítico de arte. Esta questão não é
original. Ao contrário, se torna uma constante, principalmente a partir da
Revolução Industrial. E o Art Deco, em certo sentido, não trava polêmicas, vem
confortar alguns espíritos.
Existem, todavia, várias visões ou versões do
Art Deco, tanto no sentido formal como em sua ideologia. A produção de um modo
geral é tratada de modo pejorativo ou menor por alguns estudiosos. Gunter
Weimer[5]
por exemplo, coloca que “quanto a um pretenso estilo art deco, não passou de um
modismo passageiro que nem sequer aspirou a se apresentar como uma coerência
formal...”.
Levantamos extensa bibliografia e percebemos
duas posturas: a primeira dos autores franceses que alçam o Deco como um
produto erudito, onde as propostas nascem naturalmente de Mackintosh, da
Secessão Vienense, da Bauhaus e da Wierner Werskstatte, portanto tem relações
diretas com ideais da produção denominada intelectual, incluindo a cidade de
Viena como o estágio inicial do Deco.
Esses franceses, igualmente vêem na assimilação
do modelo pelos americanos como o momento de banalização, uma vez que
consideram que o Deco vai de forma gradual perdendo sua força e encontra seu
último lugar de refúgio: os cinemas. Exemplifica-se esta passagem com a réplica
do Pavilhão de Turismo (original de Mallet-Stevens) e outros tantos edifícios
seguindo esta linguagem erguidos no centro-oeste dos Estados Unidos, o que foi
denominado por Boullion de ill copies[6].
Os autores americanos, por sua vez, quase que
em uníssono, fazem um discurso de glorificação ao Art Deco, aos arranha-céus,
aos cinemas, a Hollywood. As origens do processo, Paris, a Expo de 1925 e a
Europa como um todo, estão presentes nos textos, muito embora haja uma
repetição de conteúdos na maioria deles.
Mediante essas constatações, verificamos onde
as dificuldades se iniciam, quando o tema é Art Deco. Somos cônscios que o
estilo é ancorado na high culture, no
sentido de que os primeiros artistas e arquitetos, pelo menos os digno de nota,
fizeram uma leitura crítica do que se passava na Áustria, na Alemanha,
apreenderam os modelos experimentados nestes países e decodificaram de maneira
diversa, apostando na contemporaneidade. Logo, não cremos em pontos de partida
e sim na liberdade de escolha.
O Deco não foi somente um caso de
interpretações de velhas ideias de uma nova maneira. Acreditamos em uma
proposta com projeto coerente e pertinente a um tempo e com código próprio. A
grande qualidade do Art Deco é a tentativa de conhecimento e a consciência que
este período tem de si mesmo. É por vezes, anunciado como o último dos estilos,
contudo mais acertadamente, é um estilo de massa, o estilo da inclusão que
encontra audiência na classe consumidora. Sua flexibilidade em todos os níveis
não fez com que perdesse sua identidade. E diante do exposto, confirmamos sua
potência de reflexão sobre o fato e sua crença, real ou virtual, na
modernidade.
Igreja de Santa Teresinha
[1] Cf ALBRETCH, Donald. Desining Dreams – Modern
Architecture in the Movies. New York:
Harper
in collaboration with the Museum of Modern Art, 1986. p.3
[2] cf. BRUNHAMMER, Yvonne. Art Viennois e t Art
Decó – L’exposition de 1925. IN: Les Grandes Expositions – Vienne 1900.
Centre Georges Pompideau, Grand Galerie, 13 de fevereiro a 5 de maio de 1986,
p.18
[3] WIRZ, H e STRINER, R. Washington Art Deco.
Washington: Smithsonian Instituin Press, 1984. p 19
[4] KLEIN, Dan, MC CLELLAND, Nancy A., HASLAM,
Malcolm. In the Deco Style. London: Thames & Hudson, 1987. p 108
[5]
WEIMER, Gunter. O “Estilo” Art Deco. In: Revista Projeto 151. pp 71-73