domingo, 4 de novembro de 2018

Art Deco: O Moderno Necessário - Parte 2


Autor: Lourdes Luz, Dra.


Hollywood – Cinema

Buscamos em Hollywood a referência de um mundo encantado e moderno da arquitetura Deco. Enquanto a França clamava sua superioridade quanto à estética e Alemanha desenvolvia seu potencial em um centro específico de atividades artísticas, os EUA e em especial Nova Iorque, a partir de 1930, mostrava para o mundo seu poder no campo da indústria cultural. Depois da Primeira Guerra Mundial até 1924 havia um grande número de propostas desordenadas ligadas à arquitetura e os filmes passaram a focar uma relação estreita com o décor cenográfico da arquitetura moderna. O que para Hollywood, traduzia-se no Art Deco, depois que esse modelo foi apresentado aos americanos, a partir da Expo de 1925.
Toda a linguagem foi passada, de forma bem acabada, nos figurinos e nos cenários dos novos heróis (na indústria do cinema como um todo). O que testemunharam Marie Prevost em Main Bait (1927), Mae Marray em Peacock Alley (1922), Lya de Putti (nos anos 30’s) dentre outros.
Marie Prevost 

 Mae Marray
Lya de Putti
A questão da indústria cultura tem em Hollywood seu fórum de grande importância, onde o consumo da cultura de massa se inscreve, em boa parte, no lazer moderno, entendendo-se lazer como um tempo ganho sobre o trabalho. Era neste tempo conquistado pelo homem e para ele, que estava a assistência ao espetáculo cinematográfico, impregnado do componente lúdico.
Hollywood, indústria-cultural-cinematográfica, possuía as funções essenciais em uma linha de produção: estúdio de som, infraestrutura de bastidores, produção propriamente dita (dominavam da seleção do escritor ao cenário e figurino) da exibição (cadeia de cinemas) e a distribuição. O que mais se destaca nesta linha de montagem era o figurino, como ponto básico no atrativo.
O figurino deveria ter a marca de novidade, o que gerava um trabalho difícil, visto que do início das filmagens à edição final, isto é, o produto-filme estar pronto para ser exibido, levava cerca de um ano somado ao tempo em que ficaria em circulação, o que girava em torno de ano e meio. Sua posição de lançador de moda era inegável, levando os grandes costureiros da época, a lançarem suas coleções em Paris e Hollywood. Esta situação de ponta estendeu-se também à produção de um espaço arquitetônico-cenográfico moderno.
Os maiores estúdios: MGM, 20th Century – Fox, Paramount, Warner Bros, RKO, Columbia, Universal, United Artists, tinham um departamento de arte cada um, com modelos estabelecidos, uma vez que nos espaços verdadeiros e na verdade cenográfica alguns programas de arquitetura ou mesmo determinados ambientes ganharam tratamento diferenciado e passaram a ser introjetados na vida cotidiana[1].
Nos sets onde a ambientação se dava na cozinha, essa recebia considerável atenção, era símbolo importante da vida moderna, na qual a dona de casa se mostrava como um mestre na tecnologia, evidenciando as facilidades da vida moderna: tudo ao alcance das mãos e ao mínimo esforço. Havia uma deliberação subliminar no sentido de glorificar a mulher-esposa, assim como tentavam condenar, de certa forma, a “nova mulher”, que poderia estar representada por intermédio da mulher liberada sexualmente ou a profissional que “abandonava” o lar e saía para o trabalho.
Enquanto a cozinha era o laboratório, o representante do up to date em tecnologia, o quarto revestia-se do tabu, do pudor e do preconceito, sendo que a censura era bilateral: interna (do produtor e diretor) e externa (público). O dormitório com a cama de casal não se apresentava com constância, assim como o mobiliário e as vestimentas que induziam a imaginação: as chaise-longues, belas mulheres aí recostadas fumando elegantes piteiras e os pijamas exóticos.
Os banheiros, por sua vez, são como as cozinhas: funcionais e assépticos. Esta peça da casa tornou-se essencial nos anos 1920, entretanto as primeiras transformações datam do final do século XIX. Foi explorado nos filmes de diversas maneiras, posto que era objeto de culto por parte dos arquitetos e ora aparecia como suntuosa terma romana, ora como ginásio dedicado à rigorosa higiene, onde as funções banho e toillete estavam sempre separadas. Os banheiros serviram de cenários para sugerir sensualidade, a luxúria, para satirizar o culto ao físico ou ainda provocar escândalos.
James Cagney em ser do filme SNATCHER (1933)
Com o crescimento da classe empresarial, conseqüente, crescimento do poder econômico, os escritórios comerciais passam a ser símbolo de força e o vocabulário Deco favorecia a ideia que se pretendia passar: deveria ser simultaneamente confortável e identificado como um espaço detentor de novas tecnologia, racional e eficiente.
O nightclub era a representação ou melhor a personificação da fantasia, a estética almejada era a estética do glamour, onde se tirava partido de todos os elementos disponíveis, principalmente da luz tanto direta como indireta, quando o objetivo era perspectiva e fascinar o expectador. Nestes espetaculares cenários trabalhava-se com uma perspectiva em planos que contava com a presença de grandes arranha-céus fazendo referência aquilo que era visto ou poderia ser “visto-imaginário” através de janelas. O moderno skyline poderia ser contemplado também dos terraços destas mesmas casas de diversão. O nightclub é persuasivo no seu discurso formal.
Vários são os filmes da década de trinta que projetavam cidades para o futuro, exacerbando esse modelo: rastreava-se o desconhecido a fim de encontrar a síntese de todas as ansiedades desses homens que se dizem modernos, ou ao menos desejavam ser percebidos desta maneira – era o mito da modernidade. O Art Deco encontrou seu lugar, uma vez que possuia a capacidade de responder, naquele momento, a uma série de expectativa da sociedade. É justamente na ambiguidade que ele sobrevive: nada mais passageiro do que a moda Deco e nada tão convincente e sedutor que o Art Deco.
Essa indústria transitou, paradoxalmente, entre a burocracia e a invenção, a estandardização e a individualidade, o que significou que ao mesmo tempo em que uma organização burocrática manipulou valores e modelos instalando tipologias, o produto deveria possuir criatividade. O diretor para obter bom resultado teria que saber lidar com essa equação.
Naquela década, o homem conseguiu definir e entender, mesmo que erroneamente, a princípio, como se fazia para ser moderno: foram estabelecidos parâmetros, não examinando seus graus de efemeridade, importava que as questões estavam abertas.





[1] Cf.ALBRETCH, Donald. Desining Dreams – Modern Architecture in the Movies. New York: Harper in collaboration with the Museum of Modern Art, 1986

Um comentário:

  1. Lourdes que maravilha fazer um blog [já era tempo], embora você já tenha transitado [há muito tempo atrás] na esfera das comunicações digitais. Parabéns! Põe o seu saber para fora e divida conosco. Bj,

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