O
Rio de Janeiro, no início do século XX, vivia um momento peculiar em termos de
costumes e práticas cotidianas. De um lado, o fim da escravidão, com a formação
das favelas e a afirmação da cultura negra, e, de outro, a reforma da cidade e
a ampliação dos bairros nobres, além do início da emancipação feminina. Esse
era o pano de fundo de Lado a Lado,
umas das melhores telenovelas dos últimos tempos. Foi um prazer rever a obra, mesmo que em
ritmo de “maratona” - já que foi exibida
originalmente de setembro de 2012 a março de 2013 - para levar ao leitor da
Revista Conexão de Décor, onde mensalmente abordamos temáticas ligadas a
cenário e figurino, uma análise da cidade do Rio, sob esses aspectos, tão bem
trabalhados que foram capazes de nos transportar para os primeiros anos do
século XX.
Para
quem não viu, a novela tem como protagonistas Laura e Isabel, que lutam pela
igualdade das mulheres, em uma sociedade extremamente conservadora. A primeira,
em determinado momento, opta por um divórcio, o que, naquela época, significava
uma desonra para os cônjuges, para a família e a parentela - apenas questões
graves levariam a esse extremo. A segunda tem um filho fora do casamento e
precisa combater mais preconceitos. A trama abordou também temas como o fim dos
cortiços, o desencadeamento das favelas, a revolta da vacina e da chibata, o
começo da República, entre outros acontecimentos marcantes.
Os
autores, João Ximenes Braga e Claudia Lage, exploraram muito bem a temática,
guardadas as devidas questões pertinentes ao tempo em que a novela foi
transmitida. O elenco era igualmente espetacular, encabeçado por Marjorie
Estiano (Laura), Camila Pitanga (Isabel), Thiago Fragoso (Edgar), Lázaro Ramos
(Zé Maria) e Patrícia Pillar (Constância).
A
Cidade cenográfica, proposta por
Mario Monteiro, foi um universo retratado em 2550 m2, com 10 metros de rua ocupados
por lojas, confeitaria, teatro, barbearia somado a recursos gráficos
disponíveis 10 anos atrás.
O núcleo que se desenvolvia no Morro da Providência tentou representar a condição sub-humana na qual viviam seus moradores.
Nos interiores dos “palacetes”,
no núcleo de ex barões e baronesas, encontramos um mobiliário com linguagem
eclética: entre chipandelle inglês e
Luiz XV francês, ambos podendo ser
considerados um estilo Rococó revisitado.
Quanto ao figurino e à caracterização, naquele momento o Rio de Janeiro mimetizava a Europa, com alguns anos de atraso. As lojas de departamento, com modelos prêt-à-porter, poderiam ser encontradas, desde o final do século XIX, em Londres e Paris, onde a população dos novos ricos estava mais interessada nos efeitos, a indumentária reunia reminiscências históricas que demostravam o desejo de reviver a antiga aristocracia.
As
mulheres ganharam roupas com fino acabamento, babados, plissados, franjas, muita
renda francesa, e o espartilho ainda se fazia presente. Esse figurino era
composto por diversas camadas, deixando o corpo mais firme (e
desconfortável). Luvas, chapéus
ornamentados e sombrinha compunham o “look”. As cores pastéis mostravam
elegância – em tecidos como organza, seda, musselines – ou seja, o que era moda
em Paris agradava as representantes da elite no Brasil.
Os
homens, mesmo com o forte calor do Rio, optavam por tendências vindas da
Inglaterra, como ternos de lã, nas cores cinza, marrom ou preto e chapéus de
feltro ou coco, com acessórios que ratificavam simbolicamente o poder:
bengalas, joias, corrente de ouro com relógio, além do charuto.
As roupas do núcleo pobre na trama passaram por um processo de envelhecimento e desgaste. Sem dúvida, temos que considerar um certo olhar romântico na reprodução dos valores daquele grupo, porém discussões importantes contribuíram na construção do enredo.
Lado a Lado conquistou o
prêmio Emmy Internacional 2013 como Melhor Novela, e também foi premiada pelo
Centro de Articulação de Populações Marginalizadas (Ceap), que promoveu a
sétima edição do Prêmio Camélia da Liberdade. A trama venceu na categoria
Veículo de Comunicação por mostrar a situação da população negra após a
abolição da escravatura.
Por fim, coroando a alegria em rever o folhetim carregado de tanta
história do Brasil e do Rio de Janeiro, a trilha sonora foi também um grande
destaque, o presente abraçando o passado, com samba, rap e pop rock:
A
música composta por Niltinho Tristeza, Preto Joia, Vicentinho e Jurandir, foi o
samba enredo da Imperatriz
Leopoldinense, para o carnaval de 1989 e tema de abertura da
novela.
O artigo foi publicado originalmente na Revista Digital: Conexão Décor
Autores: Lourdes Luz e Virginia Palmerston
(co-autora)
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